Por Anna Karenina*
O silêncio repousava tímido nos brios. As dores de qualquer lugar se adormeciam entre as mãos. Estas teciam lentamente fios de cabelo. Estava a pensar, recordando-me, “hoje é sexta-feira”. Precisava afirmar pausadamente, e com calma, nos pensamentos, “sexta-feira”. Não sei o que aconteceu ao certo, mas ultimamente os dias têm passado mais rápido e de modo misturado. Por um acaso não me recordara mais se a macarronada com creme de leite tinha sido na terça ou na quarta, se a conversa com o Augusto foi semana passada, ou se foi ontem... À propósito, conversei mesmo com o Augusto? Ou foi sonho? De repente, mesmo, não sei se o que fiz hoje de manhã, aconteceu hoje de manhã, de fato. Não é loucura, não.
É que há uma sensação de vida num único dia, em eternas 24 horas, que se misturam entre si, onde as estações estão loucas, e de repente a Mãe Natureza se rebelou por assim achar necessário, misturar, Sol, frio, vento, espinhos, calor, chuva, flores, tempo seco... Um único tempo de todas as estações.
Já posso ouvir o céu ressoar uma orquestra sinfônica de notas loucas... Coitado do céu está variando. Faz-me rir, céu... O que me espera? Já que o momento é o constante presente, no acordar dos dias que se misturam, nessa busca incessante do verbo ir. “Ir”, o menor verbo do infinitivo. E tudo isso para que? Para a consciência de que estou contribuindo com a minha parte para o nosso belo quadro social? Já dizia o músico. Certamente que não.
Um resquício racional me ocorrera à mente. Por acaso percebi que tais pensamentos nada mais eram do que uma disputa entre meu Ego e o Super, só para ver quem ganhava no final. Pensar exige tempo, “Tempo” com o “T” maiúsculo. Afinal, Tempo é dinheiro. Nem dá pra ficar pensando nisso de céu, verbo “ir”, se hoje é mesmo sexta-feira... Nem pensar dá...
Por isso que em estado concreto de ação sobre duas rodas, tentei não pensar em nada, nada mesmo. Sobrevoei eucaliptos, entrecruzando os caules, costurando caminhos, correndo o risco de esbarrar a face sobre a madeira fria daquele bosque, apenas para que os sentidos se abrissem à percepção daquele estado. Em teimosa distração, me ocorrera o pensar inevitável: “quanto custa a paz”?
O limite do meio fio quase me empurrou o rosto ao chão. Confesso já ter caído outras vezes, ao pensar, desobedecendo ao tempo que é dinheiro.
A desconsolada volta acanhada para casa, me remetera à inquieta inquietude. Afinal, qual o preço da paz? Sou eu que vivo no tempo, ou o tempo que vive em mim?
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As ofertas de paz dependuradas nas vitrines saíram de cartaz com a crise econômica... E agora, quanto custa sua paz?
Pensando a favor do tempo, com vento, com pensamento, a Lua de quase setembro, a paz... Porque sim! Porque sim!
E a propósito, hoje é mesmo sexta-feira? Não desejo saber. Entre a dúvida do sim e do não, entre “eu que vivo no tempo ou o tempo que vive em mim?”, entre os pensamentos que gastam tempos e mais tempos, e me custam muitíssimo caro, entre o verbo “ir”, ser ou não o menor do infinitivo, entre os possíveis espectros existentes de cores que meus olhos ainda não conseguem enxergar e as possíveis cores que podem existir, posso encontrar, de graça, a PAZ - com todas as letras maiúsculas, que não tem preço.
*Anna Karenina é jornalista desempregada mas que sonha com outro tipo de jornalismo. Se dedica a poesia, produções jornalísticas literárias em fase de expansão (planejamentos) e gosta de cultura, meio ambiente e aspectos da realidade e relações sociais. Ela acredita que a arte das palavras pode transformar a realidade.
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