sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Brisa soprou nOQUADRO do Bataclan


Em sua quarta edição do projeto de música instrumental, OQUADRO convidou os ventos da voz de Brisa Azis, da banda Manzuá, para mesclar ritmo e balanço a arranjos mui agradabilíssimos na noite do Bataclan, em Ilhéus, 6/08. Em meio a toda essa sonoridade, sentidos evidentes de uma efervescência cultural e muita vontade artística se revelaram no tempo em que nosso bate papo foi se desenhando. Acompanhe comigo nesta narrativa, a partir dos seus sentidos lúdicos, leitor, o desenrolar dessas histórias que somam música, poesia, arte e espontaneidade.
Por Anna Karenina

Quando me acheguei o show já havia começado. A casa estava cheia, com uma atmosfera de música artesanal e sofisticação. O Bataclan, desta vez, me soou mais familiar, como quem chega em um ambiente e se sente logo a vontade. Talvez a companhia de primos e amigos exerceu influência nisso, ou da recepção de Néia Dendê, assim como de outras moças que assessoravam atenciosamente o atendimento do restaurante. Mas algo inquietante me tomava por dentro, uma ansiedade de sentar logo e começar a respirar os dedilhados, o timbre, os tambôs, os pratos da bateria. Eles estavam muito bem, dessa vez eu observava a comunicação muda, os olhares, de como as notas iam mudando, variando com o clima do ambiente, e o som brotando, saindo. “É tudo improvisado, não tem nada ensaiado. O que a galera ouve é música que nasceu agora e morreu, que ninguém vai lembrar depois, e tem uma vida útil aí a rolar”, explica Ricô Barreto, integrante do Coletivo Prumo e baixista da banda, sobre a espontaneidade com que surge o som deles.
De repente, a força de uma brisa intercepta o enredo sonoro, com seu tom imponente, sua voz de dentro da alma pra fora, e a docilidade ao mesmo tempo, e o talento, evidente. Brisa Azis, da banda Manzuá, de Itabuna, veio para nossos ares marítimos com muita serenidade, como quem o vento manda cantar. E nesse balanço, do ar, do mar, canções como “One Drop” e “Rebel Music” de Bob Marley, “Baú” e “Vermelho” de Vanessa da Mata, entre outras, intercalaram com as investidas instrumentais dos meninos d’OQUADRO.
De abrupto, já conectada com o balanço do barco, fui impelida por minha prima Lorena, como quem me chama de volta pra o contexto da mesa:
- Prima, muito boa a sua indicação para a noite de hoje viu?!
Consentindo, balancei a cabeça sorrindo. Eu sabia que não precisávamos ir muito longe para desfrutar de boa música e momentos culturais, ter que ir para acontecimentos em Salvador, para os festivais de Vitória da Conquista ou viajar para o Rock in Rio. Tudo bem que esses contextos oferecem ocasiões ampliadas e em perspectivas diversas, mas nossa terra tem seus frutos, que nem feijão brota do pé! Quando vai ver, quão grande é o feijoeiro! E feijão de boa qualidade, para vários pratos diferentes. Há quem aprecie uma boa feijoada! É o sabor, o tempero, a baianidade, a poesia, é a arte. Precisamos de mais gastrônomos para servir mais os nossos bons pratos. E como esse paladar cultural está sendo estimulante e crescente, e nunca nego repetir a refeição, pedimos sempre bis.
O projeto – OQUADRO Instrumental + Coletivo PRUMO
É nessa direção que caminha o projeto OQUADRO Instrumental, que foi acolhido junto a parcerias entre a banda, Coletivo Prumo e o sócio-proprietário do Bataclan, Paulinho Martins. “Ele apostou e tem uma parceria longa mesmo. Todo mês vai rolar OQUADRO instrumental convidando alguém... A própria banda está se entrosando legal”, afirma Ricô Barreto. Nestes quatro meses de atuação, o projeto se iniciou com apresentações instrumentais e em seguida OQUADRO convidou artistas como Fabrício Vasconcelos, da banda Quizila, e nesta noite prossegue enriquecendo cada vez mais esse processo cultural que está se expandindo.
A atuação da cantora Brisa Azis veio numa troca muito boa com OQUADRO instrumental, em que o encontro nesta noite, pode assim ser traduzido: “Gostosa, divertida. Eu acho legal a necessidade que as pessoas estão tendo de se profissionalizar. Não é se enquadrar. Assim, você não vai deixar de fazer o som que você gosta porque ‘eu prefiro fazer uma música que venda’. É mais do que isso né, você faz porque gosta e ponto”, afirma a cantora. Para ela, a mudança de mentalidade das pessoas sobre o olhar sobre a cultura, e como se trabalha com isso, vai ser decisiva no processo. Ricô Barreto concorda, “está melhorando, a galera está se ligando nessa história de políticas públicas, através de editais, capitação de recursos para realizar projetos de maneira digna, de maneira real”.
A banda OQUADRO vem nessa linha há três anos através do Coletivo Prumo, uma produtora cultural de Ilhéus que tem parceria com o terreiro Matamba Tombenci Neto, artistas, ONG Libélula de Itacaré, Casa dos Artistas, entre outros, buscando captação de recursos para a realização de projetos culturais como esse.
A noite se desenrolara bem, e entre o sabor de Heineken’s, amigos e casualidades. A prosa super enriquecedora com a vocal Brisa Azis e o baterista e compositor Mither Amorim, da banda Manzuá, ambos poetas, mostra como a poesia flui em todos os lugares e como ela é fundamental no processo criativo, nesse caso, musicalmente falando.
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio”.
De Manoel de Barros no livro “Compêndio para uso dos pássaros”.

Manzuá – desvelando sentidos

Assim como Manoel de Barros entende que “o verbo tem que pegar delírio”, Mither Amorim absorve esta citação para dizer que “a música tem que pegar o delírio. A poesia transita”, explica, tentando encontrar uma forma de traduzir o som que a banda Manzuá faz. Para ele, “a música tem que pegar o delírio, seja ela de que ritmo for, de que gênero for. É o fio da meada. A música tem que ser poesia”. Há três anos a banda vem atuando crescentemente, e sendo conhecida cada vez mais por um público maior e seleto, aquele que sabe do valor e da satisfação de ouvir e vivenciar bons sons.



No último mês, o grupo foi premiado com a música “Insurreição”, até então inédita, no VI Festival Multiarte Firmino Rocha, em Itabuna, na categoria melhor banda. Longe de reducionismos, para bem longe dos enquadramentos dos rótulos e determinações, de caracterização do som que exercem, a banda grapiúna vem produzindo uma música independente entre amigos, família e amor ao que faz, tendo se originado nessa forma. Flutuam em sentidos que mesclam entre o ijexá, o maracatu, blues, reggae, queto, funk, samba-rock, rock, música eletrônica, e arranjos híbridos que somam diversas influências, ao mesmo tempo em que produzem unitariamente numa linha própria desde 2008.
Veja o vídeo:




“É isso, a gente vai sintetizar na arte da gente aqui, o que a gente gosta, o que a gente vive, respira, que nos alimenta. A gente se alimenta de música, a gente gosta de som, a gente não é purista, não”, explica Brisa Azis, mostrando também como a influência e a afinidade musical dos demais integrantes da banda - que soma-se também à guitarra de João Solari, o baixo de Marcelo Weber e à voz de Laísa Eça – vão ser decisivas no processo de composição, que geralmente parte da poesia de Mither Amorim, dos arranjos e linhas de baixo que se seguem. A inserção da música eletrônica chega na Manuzá com as experimentações do Dj Danley Dantas, com as nuances das suas inovações variáveis sutis.  
“Mas é aquela coisa, querendo ou não, a gente é música, a gente gosta de música. Então a gente vai pelo o que a música pede. Por exemplo, como é que se dá a escolha dos poemas? Altamente instintivo. A gente está fazendo um som aqui, está ensaiando, e dá aquela vontade de falar... Por que eu particularmente gosto de poesia, Mither também escreve umas coisas bem bacanas, e a gente está aqui na internet lendo poesia, ‘ô que poema lindo, que delícia, que beleza, guarda ali’, daqui a pouco aí tô ali no meio do som, a vontade de dizer, aquilo vai lhe tomando né?, toma a gente mesmo, e a vontade de verbalizar aquilo sai”, reflete a cantora.
Exercer a arte tem sido como voltar à infância, como se a vida adulta pudesse ser vivenciada por momentos em que você volta a uma vida infantil, no sentido de prazeroso da palavra. “Me divirto falar: ‘Vai ter ensaio? Obaaa!’, parece criança, parece assim, ‘a fora é minha, no baba’, ‘vai rolar o baba’, é o meu baba.  Música, fazer som, é o meu baba. E eu gosto, eu gosto de verdade. Vou estar coroa fazendo o som”, entre risadas desponta Azis. Amorim completa, “é ‘distraído venceremos’”.

O entusiasmo artístico não esmorece mesmo frente aos reduzidos espaços de apresentação, que insistentemente ainda permanecem escassos para a rotatividade musical que muitas bandas regionais poderiam estar explorando. “A verdade é que a gente está sem casa em Itabuna, a gente não tem lugar para tocar na nossa cidade”, sente a cantora.
Para Mither Amorim, talvez o que falta é comprometimento das pessoas que têm condições, a algum tempo, de abrir espaços para os artistas e produtores culturais daqui. “Quer dizer, não é por que não sabe, a gente está dialogando sempre, a gente está sempre nas ruas... É uma região em que as pessoas se vêem, não é uma megalópole e nem é isolado. Então a gente está sabendo que está rolando, mas está faltando o comprometimento de chegar junto. Eu sinto muito a falta dessas pessoas chegarem, ‘vamos fazer, pra gente crescer a região mais e mais’”.

Memórias do Rio Cachoeira – salve!
A banda Manzuá atualmente apóia o projeto “Memórias do Rio Cachoeira”, que traz poesia, cinema e música através de abordagens deste rio que corta a região e já foi e até hoje continua sendo fonte de inspiração de muitos poetas. “A idéia é transformar doze poemas em canções que irão compor dois produtos finais, um cd com todas as músicas na íntegra, e um DVD com documentário, utilizando essas músicas como trilha sonora”, explica a vocal no vídeo de divulgação do projeto, Laísa Eça.O projeto desenvolvido por Edson Bastos foi premiado pelo Edital de Produção em Conteúdo Musical, promovido pela Fundação Cultural (FUNCEB) e Secretaria de Cultura (SECULT) do Estado da Bahia. O documentário será lançado no dia 24 de novembro. Para colaborar com o projeto que integra um show de lançamento, acesse www.catarse.me Conheça mais sobre essa iniciativa: http://www.memoriasdocachoeira.com/ Assista o vídeo de divulgação:


 

Embora diante de desafios, em que é só uma questão de tempo para serem vencidos, Brisa Azis encerra otimista a sua fala: “Graças a Deus as coisas estão caminhando de uma maneira legal pra quem gosta e quem quer fazer cultura no sul da Bahia”. Então agora eu comecei a compreender porque a familiaridade já se fazia presente desde o início, num contexto agradável, é nesse sentido de querer fazer, querer ser, não estamos sozinhos... É mesmo como disse um amigo que filmou a entrevista, irmão, Thassio Vinícius, “Carranco” para os chegados: “O que precisamos é fazer as coisas acontecerem”. Faço de suas palavras, as minhas, menino! Agora é só dar o play e ir! Já foi!























Créditos

Filmagem - Thassio Vinicios
Fotos das Entrevistas - Lorena Vieira
Fotos do Palco - Anna Karenina
Redação - Anna Karenina

Apoio

Coletivo PRUMO
Bataclan
Gabriel Vieira
Alcance Comunicação

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Crônica: O preço da PAZ

Por Anna Karenina*

O silêncio repousava tímido nos brios. As dores de qualquer lugar se adormeciam entre as mãos. Estas teciam lentamente fios de cabelo. Estava a pensar, recordando-me, “hoje é sexta-feira”. Precisava afirmar pausadamente, e com calma, nos pensamentos, “sexta-feira”. Não sei o que aconteceu ao certo, mas ultimamente os dias têm passado mais rápido e de modo misturado. Por um acaso não me recordara mais se a macarronada com creme de leite tinha sido na terça ou na quarta, se a conversa com o Augusto foi semana passada, ou se foi ontem... À propósito, conversei mesmo com o Augusto? Ou foi sonho? De repente, mesmo, não sei se o que fiz hoje de manhã, aconteceu hoje de manhã, de fato. Não é loucura, não.
É que há uma sensação de vida num único dia, em eternas 24 horas, que se misturam entre si, onde as estações estão loucas, e de repente a Mãe Natureza se rebelou por assim achar necessário, misturar, Sol, frio, vento, espinhos, calor, chuva, flores, tempo seco... Um único tempo de todas as estações.
Já posso ouvir o céu ressoar uma orquestra sinfônica de notas loucas... Coitado do céu está variando. Faz-me rir, céu... O que me espera? Já que o momento é o constante presente, no acordar dos dias que se misturam, nessa busca incessante do verbo ir. “Ir”, o menor verbo do infinitivo. E tudo isso para que? Para a consciência de que estou contribuindo com a minha parte para o nosso belo quadro social? Já dizia o músico. Certamente que não.
Um resquício racional me ocorrera à mente. Por acaso percebi que tais pensamentos nada mais eram do que uma disputa entre meu Ego e o Super, só para ver quem ganhava no final. Pensar exige tempo, “Tempo” com o “T” maiúsculo. Afinal, Tempo é dinheiro. Nem dá pra ficar pensando nisso de céu, verbo “ir”, se hoje é mesmo sexta-feira... Nem pensar dá...
Por isso que em estado concreto de ação sobre duas rodas, tentei não pensar em nada, nada mesmo. Sobrevoei eucaliptos, entrecruzando os caules, costurando caminhos, correndo o risco de esbarrar a face sobre a madeira fria daquele bosque, apenas para que os sentidos se abrissem à percepção daquele estado. Em teimosa distração, me ocorrera o pensar inevitável: “quanto custa a paz”?
O limite do meio fio quase me empurrou o rosto ao chão. Confesso já ter caído outras vezes, ao pensar, desobedecendo ao tempo que é dinheiro.
A desconsolada volta acanhada para casa, me remetera à inquieta inquietude. Afinal, qual o preço da paz? Sou eu que vivo no tempo, ou o tempo que vive em mim?
[Para levar na hora, compre na promoção a paz de olhos fechados: é garantia, você leva agorinha um pacote diário de tempo insensível, sem ser sentido, a preço de banana! Ta na promoção, tem para todo mundo! Calma, calma freguesia! Comprando a paz, você também leva gratuitamente o anestésico anti-dores para o seu tempo... Aqui jaz a paz!]
As ofertas de paz dependuradas nas vitrines saíram de cartaz com a crise econômica... E agora, quanto custa sua paz?
Pensando a favor do tempo, com vento, com pensamento, a Lua de quase setembro, a paz... Porque sim! Porque sim!
E a propósito, hoje é mesmo sexta-feira? Não desejo saber. Entre a dúvida do sim e do não, entre “eu que vivo no tempo ou o tempo que vive em mim?”, entre os pensamentos que gastam tempos e mais tempos, e me custam muitíssimo caro, entre o verbo “ir”, ser ou não o menor do infinitivo, entre os possíveis espectros existentes de cores que meus olhos ainda não conseguem enxergar e as possíveis cores que podem existir, posso encontrar, de graça, a PAZ - com todas as letras maiúsculas, que não tem preço.

*Anna Karenina é jornalista desempregada mas que sonha com outro tipo de jornalismo. Se dedica a poesia, produções jornalísticas literárias em fase de expansão (planejamentos) e gosta de cultura, meio ambiente e aspectos da realidade e relações sociais. Ela acredita que a arte das palavras pode transformar a realidade.