sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Jorge Amorim vai SACUDIR a noite, no Bataclan

Ao lado d’OQUADRO Instrumental, o ilheense Jorge Amorim promete sacolejar a noite do dia 24, sábado, com sua música genuinamente baiana, que mistura o samba, jazz e o afrobeat.
Por Anna Karenina
Cada vez mais o palco do Bataclan, em Ilhéus, vem esquentando as noites e abrindo espaço para nossa cultura através do projeto OQUADRO Instrumental, com a apresentação de artistas regionais. Nesta quinta edição, o convidado é Jorge Amorim, diretor musical, violonista, cantor e compositor, que se apresentará com os músicos d’OQUADRO neste sábado (24), com direito a muitos improvisos de afrobeats e afrosambas, a partir das 20:30 hs. Esta iniciativa é do Coletivo Prumo em parceria com a administração do Bataclan.
Natural de Ilhéus, mas cidadão do mundo, Jorge Amorim iniciou seu ofício desde a meninice. Com fortes influências do afrobeat de Fela Kuti, espalhou seus dedilhados e timbres por Paris, onde morou, e por toda Europa e em países de outros continentes, como o Japão e Canadá.  O momento cultural que Ilhéus experimenta hoje é sem dúvidas uma excelente oportunidade para que as gerações presentes e as que estão chegando, conheçam e desfrutem das riquezas artísticas de sua terra. “Essa noite vai ser de ‘entortar o rabo do tatú’, sonzeira garantida", é o que afirma Ricô Barreto, baixista d’OQUADRO e integrante do Coletivo Prumo.
Jorge Amorim
Viveu em Paris há mais de 27 anos, onde exerceu e amadureceu sua arte com shows em renomados espaços culturais, próprio de um currículo admirável. Apresentou-se em lugares como o Museu do Louvre no espaço “Le Saut Du Loup”, clubes como Sunset, Satelit Café, Baisé Salé, Glaz’art, Le Reservoir, La Java, Favela Chic, Le Discophage, casas de shows como Le Bataclan, La Coupole, L’Olympia, Centre George Pompidou, e nos principais teatros parisienses.
As apresentações, solos e muitas vezes em parceria com diversos artistas traduzem como Amorim expandiu sua música, interagiu e participou de enriquecedoras experiências, como em Paris com o grupo “Tupi Nagô”; de 2001 a 2007 participou como cantor e violonista nas turnês pelo Japão da cantora Clémentine através dos projetos da rede “Blue Notes”; dirigiu, cantou e tocou em shows da cantora Nazaré Pereira em Paris, como também na Suíça, Alemanha, Itália, Portugal, dentre outros países europeus e da América, como o Canadá; participou como backingvocal na gravação do primeiro álbum solo “Alfabetagamatizado” de Carlinhos Brown; dirigiu o álbum “Samba pelo Avesso” da cantora e compositora Carolina Ferrer (2010), no Rio de Janeiro.

Afrobeat é uma combinação de música yorubá, jazz, highlife, funk e ritmos, fundido com percussão africana e estilos vocais.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

OQUADRO grava o primeiro disco oficial com Buguinha Dub

Banda Ilheense de hip hop entra em stúdio de gravação com a adubada produção de Buguinha Dub, e no dia 9, próxima sexta-feira, se apresentará com show no Sunshine, na capital baiana.

Por Anna Karenina
Destino: Salvador, Bahia. A banda ilheense, OQUADRO, deixou a Costa do Cacau hoje (2), sexta-feira, e arriou suas bagagens na baía de todos os santos, para a gravação do primeiro disco oficial no stúdio Coaxo do Sapo, do músico e compositor Guilherme Arantes. A participação do produtor Christiano Botelho, mais conhecido por Buguinha Dub, na gravação do disco, chegou para incrementar ainda mais o trabalho. Ao fim do itinerário, OQUADRO e o referido produtor, vão se apresentar na próxima sexta-feira (9), no Sunshine, ao lado de Mc Daganja e Dudoo Caribe, no Rio Vermelho.
A banda têm atuado em Ilhéus com o projeto OQUADRO Instrumental, e inicia este mês com uma temporada dedicada na concentração da produção musical, com direito a muita sonoridade, rimas, versos e performances adrenalizantes. Segundo o baterista, Victor Barreto, “vai ser uma imersão de sete dias pra desvendar nosso próprio universo analógico e digital, mental e espiritual. Buguinha Dub Adubado garante! Vocês vão ouvir falar desse disco, nem que seja por aí.”


O produtor tem suas raízes em Pernambuco e é reconhecido por trabalhos notáveis, que carregam a junção da música brasileira com a sonoridade do reggae do dub. Já produziu discos de grupos expressivos, como Nação Zumbi, Racionais, Mestre Ambrósio, Cordel do Fogo Encantado, Mundo Livre S.A., Natiruts, Monjolo, entre outros.
OQUADRO é uma das bandas mais antigas de hip hop da Bahia e com três Mc’s (mestres de cerimônia), Jef Rodrigues, Ivanigro Santos e Rans Spectro, se consolida com o baixista Ricô Barreto, o baterista Victor Santana e a percussão de Jax. Eles têm produzido hip hop há 15 anos numa linha autêntica, no passo em que o olhar libertário quando lançado sobre o mundo e a realidade, resvala em esferas sociopolíticasculturaisespirituais e, quase sempre, de protesto.
O grupo expandiu suas atividades pela Bahia nos últimos quatro anos, com várias manifestações, muitas realizadas em Salvador com o apoio e incentivo cultural do Estado. Esse trajeto se iniciou em 2008 quando se apresentaram no Teatro Castro Alves, em Salvador, sendo a primeira banda de hip hop a estrear essa proeza. A partir daí, um tempo favorável de apresentações, projetos, carnaval, documentário e participações, não cessou de correr, ao contrário, longa vida de muita música e atuação é para onde o vento parece estar soprando para OQUADRO, próprios de um currículo admirável e de quem exerce a arte com força. “A gente quer expandir mais essa coisa do hip hop, apesar da nossa função é fazer uma música que a gente gosta. E é mesmo, porque gosta mesmo”, explica o baterista Victor Barreto.
 Acesse:
Gostou? Então curta:

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Brisa soprou nOQUADRO do Bataclan


Em sua quarta edição do projeto de música instrumental, OQUADRO convidou os ventos da voz de Brisa Azis, da banda Manzuá, para mesclar ritmo e balanço a arranjos mui agradabilíssimos na noite do Bataclan, em Ilhéus, 6/08. Em meio a toda essa sonoridade, sentidos evidentes de uma efervescência cultural e muita vontade artística se revelaram no tempo em que nosso bate papo foi se desenhando. Acompanhe comigo nesta narrativa, a partir dos seus sentidos lúdicos, leitor, o desenrolar dessas histórias que somam música, poesia, arte e espontaneidade.
Por Anna Karenina

Quando me acheguei o show já havia começado. A casa estava cheia, com uma atmosfera de música artesanal e sofisticação. O Bataclan, desta vez, me soou mais familiar, como quem chega em um ambiente e se sente logo a vontade. Talvez a companhia de primos e amigos exerceu influência nisso, ou da recepção de Néia Dendê, assim como de outras moças que assessoravam atenciosamente o atendimento do restaurante. Mas algo inquietante me tomava por dentro, uma ansiedade de sentar logo e começar a respirar os dedilhados, o timbre, os tambôs, os pratos da bateria. Eles estavam muito bem, dessa vez eu observava a comunicação muda, os olhares, de como as notas iam mudando, variando com o clima do ambiente, e o som brotando, saindo. “É tudo improvisado, não tem nada ensaiado. O que a galera ouve é música que nasceu agora e morreu, que ninguém vai lembrar depois, e tem uma vida útil aí a rolar”, explica Ricô Barreto, integrante do Coletivo Prumo e baixista da banda, sobre a espontaneidade com que surge o som deles.
De repente, a força de uma brisa intercepta o enredo sonoro, com seu tom imponente, sua voz de dentro da alma pra fora, e a docilidade ao mesmo tempo, e o talento, evidente. Brisa Azis, da banda Manzuá, de Itabuna, veio para nossos ares marítimos com muita serenidade, como quem o vento manda cantar. E nesse balanço, do ar, do mar, canções como “One Drop” e “Rebel Music” de Bob Marley, “Baú” e “Vermelho” de Vanessa da Mata, entre outras, intercalaram com as investidas instrumentais dos meninos d’OQUADRO.
De abrupto, já conectada com o balanço do barco, fui impelida por minha prima Lorena, como quem me chama de volta pra o contexto da mesa:
- Prima, muito boa a sua indicação para a noite de hoje viu?!
Consentindo, balancei a cabeça sorrindo. Eu sabia que não precisávamos ir muito longe para desfrutar de boa música e momentos culturais, ter que ir para acontecimentos em Salvador, para os festivais de Vitória da Conquista ou viajar para o Rock in Rio. Tudo bem que esses contextos oferecem ocasiões ampliadas e em perspectivas diversas, mas nossa terra tem seus frutos, que nem feijão brota do pé! Quando vai ver, quão grande é o feijoeiro! E feijão de boa qualidade, para vários pratos diferentes. Há quem aprecie uma boa feijoada! É o sabor, o tempero, a baianidade, a poesia, é a arte. Precisamos de mais gastrônomos para servir mais os nossos bons pratos. E como esse paladar cultural está sendo estimulante e crescente, e nunca nego repetir a refeição, pedimos sempre bis.
O projeto – OQUADRO Instrumental + Coletivo PRUMO
É nessa direção que caminha o projeto OQUADRO Instrumental, que foi acolhido junto a parcerias entre a banda, Coletivo Prumo e o sócio-proprietário do Bataclan, Paulinho Martins. “Ele apostou e tem uma parceria longa mesmo. Todo mês vai rolar OQUADRO instrumental convidando alguém... A própria banda está se entrosando legal”, afirma Ricô Barreto. Nestes quatro meses de atuação, o projeto se iniciou com apresentações instrumentais e em seguida OQUADRO convidou artistas como Fabrício Vasconcelos, da banda Quizila, e nesta noite prossegue enriquecendo cada vez mais esse processo cultural que está se expandindo.
A atuação da cantora Brisa Azis veio numa troca muito boa com OQUADRO instrumental, em que o encontro nesta noite, pode assim ser traduzido: “Gostosa, divertida. Eu acho legal a necessidade que as pessoas estão tendo de se profissionalizar. Não é se enquadrar. Assim, você não vai deixar de fazer o som que você gosta porque ‘eu prefiro fazer uma música que venda’. É mais do que isso né, você faz porque gosta e ponto”, afirma a cantora. Para ela, a mudança de mentalidade das pessoas sobre o olhar sobre a cultura, e como se trabalha com isso, vai ser decisiva no processo. Ricô Barreto concorda, “está melhorando, a galera está se ligando nessa história de políticas públicas, através de editais, capitação de recursos para realizar projetos de maneira digna, de maneira real”.
A banda OQUADRO vem nessa linha há três anos através do Coletivo Prumo, uma produtora cultural de Ilhéus que tem parceria com o terreiro Matamba Tombenci Neto, artistas, ONG Libélula de Itacaré, Casa dos Artistas, entre outros, buscando captação de recursos para a realização de projetos culturais como esse.
A noite se desenrolara bem, e entre o sabor de Heineken’s, amigos e casualidades. A prosa super enriquecedora com a vocal Brisa Azis e o baterista e compositor Mither Amorim, da banda Manzuá, ambos poetas, mostra como a poesia flui em todos os lugares e como ela é fundamental no processo criativo, nesse caso, musicalmente falando.
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio”.
De Manoel de Barros no livro “Compêndio para uso dos pássaros”.

Manzuá – desvelando sentidos

Assim como Manoel de Barros entende que “o verbo tem que pegar delírio”, Mither Amorim absorve esta citação para dizer que “a música tem que pegar o delírio. A poesia transita”, explica, tentando encontrar uma forma de traduzir o som que a banda Manzuá faz. Para ele, “a música tem que pegar o delírio, seja ela de que ritmo for, de que gênero for. É o fio da meada. A música tem que ser poesia”. Há três anos a banda vem atuando crescentemente, e sendo conhecida cada vez mais por um público maior e seleto, aquele que sabe do valor e da satisfação de ouvir e vivenciar bons sons.



No último mês, o grupo foi premiado com a música “Insurreição”, até então inédita, no VI Festival Multiarte Firmino Rocha, em Itabuna, na categoria melhor banda. Longe de reducionismos, para bem longe dos enquadramentos dos rótulos e determinações, de caracterização do som que exercem, a banda grapiúna vem produzindo uma música independente entre amigos, família e amor ao que faz, tendo se originado nessa forma. Flutuam em sentidos que mesclam entre o ijexá, o maracatu, blues, reggae, queto, funk, samba-rock, rock, música eletrônica, e arranjos híbridos que somam diversas influências, ao mesmo tempo em que produzem unitariamente numa linha própria desde 2008.
Veja o vídeo:




“É isso, a gente vai sintetizar na arte da gente aqui, o que a gente gosta, o que a gente vive, respira, que nos alimenta. A gente se alimenta de música, a gente gosta de som, a gente não é purista, não”, explica Brisa Azis, mostrando também como a influência e a afinidade musical dos demais integrantes da banda - que soma-se também à guitarra de João Solari, o baixo de Marcelo Weber e à voz de Laísa Eça – vão ser decisivas no processo de composição, que geralmente parte da poesia de Mither Amorim, dos arranjos e linhas de baixo que se seguem. A inserção da música eletrônica chega na Manuzá com as experimentações do Dj Danley Dantas, com as nuances das suas inovações variáveis sutis.  
“Mas é aquela coisa, querendo ou não, a gente é música, a gente gosta de música. Então a gente vai pelo o que a música pede. Por exemplo, como é que se dá a escolha dos poemas? Altamente instintivo. A gente está fazendo um som aqui, está ensaiando, e dá aquela vontade de falar... Por que eu particularmente gosto de poesia, Mither também escreve umas coisas bem bacanas, e a gente está aqui na internet lendo poesia, ‘ô que poema lindo, que delícia, que beleza, guarda ali’, daqui a pouco aí tô ali no meio do som, a vontade de dizer, aquilo vai lhe tomando né?, toma a gente mesmo, e a vontade de verbalizar aquilo sai”, reflete a cantora.
Exercer a arte tem sido como voltar à infância, como se a vida adulta pudesse ser vivenciada por momentos em que você volta a uma vida infantil, no sentido de prazeroso da palavra. “Me divirto falar: ‘Vai ter ensaio? Obaaa!’, parece criança, parece assim, ‘a fora é minha, no baba’, ‘vai rolar o baba’, é o meu baba.  Música, fazer som, é o meu baba. E eu gosto, eu gosto de verdade. Vou estar coroa fazendo o som”, entre risadas desponta Azis. Amorim completa, “é ‘distraído venceremos’”.

O entusiasmo artístico não esmorece mesmo frente aos reduzidos espaços de apresentação, que insistentemente ainda permanecem escassos para a rotatividade musical que muitas bandas regionais poderiam estar explorando. “A verdade é que a gente está sem casa em Itabuna, a gente não tem lugar para tocar na nossa cidade”, sente a cantora.
Para Mither Amorim, talvez o que falta é comprometimento das pessoas que têm condições, a algum tempo, de abrir espaços para os artistas e produtores culturais daqui. “Quer dizer, não é por que não sabe, a gente está dialogando sempre, a gente está sempre nas ruas... É uma região em que as pessoas se vêem, não é uma megalópole e nem é isolado. Então a gente está sabendo que está rolando, mas está faltando o comprometimento de chegar junto. Eu sinto muito a falta dessas pessoas chegarem, ‘vamos fazer, pra gente crescer a região mais e mais’”.

Memórias do Rio Cachoeira – salve!
A banda Manzuá atualmente apóia o projeto “Memórias do Rio Cachoeira”, que traz poesia, cinema e música através de abordagens deste rio que corta a região e já foi e até hoje continua sendo fonte de inspiração de muitos poetas. “A idéia é transformar doze poemas em canções que irão compor dois produtos finais, um cd com todas as músicas na íntegra, e um DVD com documentário, utilizando essas músicas como trilha sonora”, explica a vocal no vídeo de divulgação do projeto, Laísa Eça.O projeto desenvolvido por Edson Bastos foi premiado pelo Edital de Produção em Conteúdo Musical, promovido pela Fundação Cultural (FUNCEB) e Secretaria de Cultura (SECULT) do Estado da Bahia. O documentário será lançado no dia 24 de novembro. Para colaborar com o projeto que integra um show de lançamento, acesse www.catarse.me Conheça mais sobre essa iniciativa: http://www.memoriasdocachoeira.com/ Assista o vídeo de divulgação:


 

Embora diante de desafios, em que é só uma questão de tempo para serem vencidos, Brisa Azis encerra otimista a sua fala: “Graças a Deus as coisas estão caminhando de uma maneira legal pra quem gosta e quem quer fazer cultura no sul da Bahia”. Então agora eu comecei a compreender porque a familiaridade já se fazia presente desde o início, num contexto agradável, é nesse sentido de querer fazer, querer ser, não estamos sozinhos... É mesmo como disse um amigo que filmou a entrevista, irmão, Thassio Vinícius, “Carranco” para os chegados: “O que precisamos é fazer as coisas acontecerem”. Faço de suas palavras, as minhas, menino! Agora é só dar o play e ir! Já foi!























Créditos

Filmagem - Thassio Vinicios
Fotos das Entrevistas - Lorena Vieira
Fotos do Palco - Anna Karenina
Redação - Anna Karenina

Apoio

Coletivo PRUMO
Bataclan
Gabriel Vieira
Alcance Comunicação

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Crônica: O preço da PAZ

Por Anna Karenina*

O silêncio repousava tímido nos brios. As dores de qualquer lugar se adormeciam entre as mãos. Estas teciam lentamente fios de cabelo. Estava a pensar, recordando-me, “hoje é sexta-feira”. Precisava afirmar pausadamente, e com calma, nos pensamentos, “sexta-feira”. Não sei o que aconteceu ao certo, mas ultimamente os dias têm passado mais rápido e de modo misturado. Por um acaso não me recordara mais se a macarronada com creme de leite tinha sido na terça ou na quarta, se a conversa com o Augusto foi semana passada, ou se foi ontem... À propósito, conversei mesmo com o Augusto? Ou foi sonho? De repente, mesmo, não sei se o que fiz hoje de manhã, aconteceu hoje de manhã, de fato. Não é loucura, não.
É que há uma sensação de vida num único dia, em eternas 24 horas, que se misturam entre si, onde as estações estão loucas, e de repente a Mãe Natureza se rebelou por assim achar necessário, misturar, Sol, frio, vento, espinhos, calor, chuva, flores, tempo seco... Um único tempo de todas as estações.
Já posso ouvir o céu ressoar uma orquestra sinfônica de notas loucas... Coitado do céu está variando. Faz-me rir, céu... O que me espera? Já que o momento é o constante presente, no acordar dos dias que se misturam, nessa busca incessante do verbo ir. “Ir”, o menor verbo do infinitivo. E tudo isso para que? Para a consciência de que estou contribuindo com a minha parte para o nosso belo quadro social? Já dizia o músico. Certamente que não.
Um resquício racional me ocorrera à mente. Por acaso percebi que tais pensamentos nada mais eram do que uma disputa entre meu Ego e o Super, só para ver quem ganhava no final. Pensar exige tempo, “Tempo” com o “T” maiúsculo. Afinal, Tempo é dinheiro. Nem dá pra ficar pensando nisso de céu, verbo “ir”, se hoje é mesmo sexta-feira... Nem pensar dá...
Por isso que em estado concreto de ação sobre duas rodas, tentei não pensar em nada, nada mesmo. Sobrevoei eucaliptos, entrecruzando os caules, costurando caminhos, correndo o risco de esbarrar a face sobre a madeira fria daquele bosque, apenas para que os sentidos se abrissem à percepção daquele estado. Em teimosa distração, me ocorrera o pensar inevitável: “quanto custa a paz”?
O limite do meio fio quase me empurrou o rosto ao chão. Confesso já ter caído outras vezes, ao pensar, desobedecendo ao tempo que é dinheiro.
A desconsolada volta acanhada para casa, me remetera à inquieta inquietude. Afinal, qual o preço da paz? Sou eu que vivo no tempo, ou o tempo que vive em mim?
[Para levar na hora, compre na promoção a paz de olhos fechados: é garantia, você leva agorinha um pacote diário de tempo insensível, sem ser sentido, a preço de banana! Ta na promoção, tem para todo mundo! Calma, calma freguesia! Comprando a paz, você também leva gratuitamente o anestésico anti-dores para o seu tempo... Aqui jaz a paz!]
As ofertas de paz dependuradas nas vitrines saíram de cartaz com a crise econômica... E agora, quanto custa sua paz?
Pensando a favor do tempo, com vento, com pensamento, a Lua de quase setembro, a paz... Porque sim! Porque sim!
E a propósito, hoje é mesmo sexta-feira? Não desejo saber. Entre a dúvida do sim e do não, entre “eu que vivo no tempo ou o tempo que vive em mim?”, entre os pensamentos que gastam tempos e mais tempos, e me custam muitíssimo caro, entre o verbo “ir”, ser ou não o menor do infinitivo, entre os possíveis espectros existentes de cores que meus olhos ainda não conseguem enxergar e as possíveis cores que podem existir, posso encontrar, de graça, a PAZ - com todas as letras maiúsculas, que não tem preço.

*Anna Karenina é jornalista desempregada mas que sonha com outro tipo de jornalismo. Se dedica a poesia, produções jornalísticas literárias em fase de expansão (planejamentos) e gosta de cultura, meio ambiente e aspectos da realidade e relações sociais. Ela acredita que a arte das palavras pode transformar a realidade.

sábado, 4 de junho de 2011

OQUADRO de significados


A banda OQUADRO solta o verbo sobre a música que exercem e na mesa do Bataclan, em Ilhéus, desvelam sentidos e visões que tem de si mesmos, do hip hop, da negritude, e da arte.
Texto: Anna de Oliveira
Fotos: Arthur Maroto
Uma hora antes que o dia virasse, e maio chegasse ao seu último domingo do mês, portas altas e de duas bandas, interceptadas por movimentações humanas pairavam a ante sala do show. O Bataclan, em Ilhéus, desta vez regado a sonoridade formidável de OQUADRO, me apressava a saborear a cremosidade de um chopp e a sentir a instrumentalidade da música destes homens. Destes que transportam em sua arte a expressão da raiz de uma cultura que atravessa o tempo, e se atualiza viva, soando ritmo e harmonia aos sentidos do corpo e da alma.
Nesses instantes sublimes de absorção cultural, tudo começa a partir de uma geração descendente dos Estivadores de Ilhéus, representada pela presença de dois integrantes d’ OQUADRO, Ricô Santana e Victor Barreto, no Bataclan a exercer sua música com a banda. Esse cenário representa uma história que já fora encenada pelos atores sociais de uma dada sociedade e época, onde certamente muitos Estivadores conviveram neste universo sociocultural e político. “Existem estereótipos que tentam colocar sobre o negro, na própria história de Ilhéus. Eles também têm sua história que ainda não foi registrada. Sabemos da importância que vários tiveram e o fato d’ OQUADRO estar tocando no Bataclan aqui hoje, tem um grande fundamento”, explica o Mc da banda e filósofo, Jef Rodrigues. Hoje, o Bataclan se reconfigura com manifestações culturais pós-modernas, e cria novos significados através de gerações e gerações que participam da construção de uma nova cena.
Nessa viagem do tempo, uma melódica harmonia dos instrumentos, que de mãos negras saem sons flamejantes, senti estática e sentada a alma bailando por dentro. Das mãos de Ricô com suas linhas de baixo, as mãos de Jax na percussão e o berimbau, inquietos dedilhados de Rodrigo Dalua com sua guitarra falante, no tempo das baquetas em pratos metálicos da bateria de Victor Barreto, somavam a música eletrônica no pano de fundo, por vezes de frente, arranjos formidáveis de se ouvir. Uma experimentação que trouxe sentidos do jazz, dub, afro, bossa, rock, e algo que possa ser entendido como expressão musical contemporânea baiana.

O show instrumental d’ OQUADRO mostra como essa vertente de produção convive harmoniosamente com o hip hop, linha de frente da banda, sem que ambas se choquem e disputem o espaço entre si. A linhagem experimental traz à tona toda a espontaneidade e coloca em cena a livre potencialidade e anseios dos músicos que as exercem.

É uma das bandas mais antigas de hip hop da Bahia com suas raízes na costa do cacau, em Ilhéus. Com mais três Mc’s (mestres de cerimônia), Jef Rodrigues, Ivanigro Santos e Rans Spectro, OQUADRO há 15 anos tem produzido hip hop numa linha autêntica, no passo em que o olhar libertário quando lançado sobre o mundo e a realidade, resvala em esferas sociopolíticasculturaisespirituais e, quase sempre, de protesto.
O grupo expandiu suas atividades pela Bahia nos últimos quatro anos, com várias manifestações, muitas realizadas em Salvador com o apoio e incentivo cultural do Estado. Esse trajeto se iniciou em 2008 quando se apresentaram no Teatro Castro Alves, em Salvador, sendo a primeira banda de hip hop a estrear essa proeza. A partir daí, um tempo favorável de apresentações, projetos, carnaval, documentário e participações, não cessou de correr, ao contrário, longa vida de muita música e atuação é para onde o vento parece estar soprando para OQUADRO, próprios de um currículo admirável e de quem exerce a arte com força. “A gente quer expandir mais essa coisa do hip hop, apesar da nossa função é fazer uma música que a gente gosta. E é mesmo, porque gosta mesmo”, explica o baterista Victor Barreto. Para o percursionista Jax, o convívio entre os amigos, antes mesmo da banda se formar, foi fundamental para fortalecer e amadurecer o grupo dentro do exercício da música.
Se riqueza artística fosse diretamente proporcional a reconhecimento e respeito da cultura local de um povo, o público de Ilhéus jamais poderia deixar de prestigiar o trabalho deles. Infelizmente a maioria dos olhos da cidade, a começar pela juventude e pelas representatividades políticoculturais, ainda passa ensurdecida para uma música que representa parte de sua própria cultura. “O respeito que as pessoas têm lá fora da gente é maior do que dentro. Às vezes o mundo lá fora está com a cabeça bem mais aberta para o nosso som”, comenta o baixista Ricô. Victor Barreto acrescenta, “parece que as pessoas não estão usando a internet pra o que ela pode ser utilizada. Eu acho que é meio preso, as pessoas estão preocupadas com outras coisas, banais, não com cultura, não com coisas legais, e não levam a sério o trabalho do brother do lado. Falta respeito, educação”.
No entanto, existem em Ilhéus iniciativas culturais que valorizam manifestações alternativas e abrem espaço para a cena underground, a exemplo disso, o Chocolate Groove. Evento que lotou o Teatro Municipal de Ilhéus e mostrou que existe sim um público que tem sede de mais cultura mas que ainda precisa de mais espaços como este.
Hip Hop e Identidade
Grande parte das produções musicais saem das linhas de baixo de Ricô, que exerce influência decisiva nesse processo, no tempo em que a composição das letras vai sendo esculpida com todo o arranjo instrumental, até que a música esteja completa, “como duas retas paralelas que se encontram no espaço”, reflete o baixista. “A gente cultua o baixo, é uma coisa importante na fundamentação dos ritmos da arte africana. Para nós, o baixo é uma extensão do tambor”, define o Mc Jef.
Os sentidos e significados das linguagens na música, que só a combinação dos arranjos pode expressar, revelam o lugar de identidade comum através da arte, d’onde eles residem ideologicamente. Esse processo é constante de inovações, ressignificações e combinações, através do encontro com o novo, no que ainda está por vir, como exemplo, a composição do primeiro disco da banda.
“Isso é bom, essa abertura pra novidade, pras coisas novas que a gente está absorvendo. Temos muitas músicas que tocamos em nossos shows, mas como estamos no processo de composição de músicas novas, muita água tem pra rolar ainda”, afirmou Jef. O disco deve estar sendo trabalhado a partir de novembro, e de acordo com o baterista Victor Barreto, participações especiais podem surpreender a muitos, a presença de Buguinha Dub (PE) na produção e gravação já está confirmada.
A música d’ OQUADRO, que parte de uma visão independente, expressa de modo natural as leituras de mundo que os próprios compositores fazem pela sua livre poesia. “A música indie, que é o que a gente faz de alguma forma, é o indie tanto artisticamente, quanto mercadologicamente. É preciso entender a linguagem de cada um, você é a arte, você é produto”, explica Jef.
Os discursos refletem o olhar que eles têm enquanto negros, descendentes de um processo cruel que marcou a história da humanidade, situados no universo. É partir das experiências de vida dentro de determinado contexto de absorção, que eles na forma de se comunicar pela música, manifestam as próprias ânsias e sentimentos, ao mesmo tempo em que os sentidos de identidade cultural se fortalecem e se transformam. “O importante é nosso olhar sobre nós mesmos. Isso que é mais importante, a gente sabe da amplitude, do fundamento do núcleo disso daqui. E essa amplitude está na própria idéia de hip hop. As pessoas se limitam a idéia de hip hop, isso é uma coisa muito grande, muito universal, muito infinito”, reflete o filósofo Jef.
Para o baixista Ricô, a discriminação é uma realidade, “porque tem todo um processo histórico aí, em que dos descendentes dos descendentes dos descendentes, nós somos. Ainda tem muito sangue pra lavar na região. E é por isso que a cidade não anda, espiritualmente falando”.
As noções do tempo presente e de pertencimento que permeiam o imaginário coletivo desses artistas emergem na singularidade com que sentem o real, e na arte lançam os olhares que têm do mundo.
“Essa idéia de que ‘o Brasil é um país de várias raças, onde todo mundo é misturado’, é mentira. Entendo isso como jogada de marketing. Misturado nada. Mentira. Você vai lá na Conquista, na Jamaica, não tem ninguém misturado lá. Todo mundo sabe quem é que está lá. Você vai na Sapetinga, ou no Jardim Atlântico, e você sabe quem é que está lá também. Não tem ninguém misturado. Ninguém está lá”, explicou o baterista Victor Barreto. Para ele, o controle da informação pelos meios de comunicação, que por sua vez a maioria brota de berços políticos, é uma forma de tentar manipular a visão que as pessoas têm a respeito, por exemplo, da questão étnica, entre outras tantas questões.
Nessa contra mola que resiste, o mundo hoje embora permeado por vias distintas de forças, entre o capitalismo, a espontaneidade das relações, até onde se podem ser espontâneas, a história social que se faz todos os dias, a natureza que interage no homem e no mundo, cristaliza texturas e contrastes que de um modo ou de outro, empurra socialmente determinadas camadas pra cima, e outras pra baixo. Tudo dentro de um sistema burocraticamente complexo e ao mesmo tempo limitado demais para absorver a simplicidade horizontal e natural de ser humano, que está muito além do sintético e emborrachado. Nesse meio, todos os grupos sociais se condensam em estigmas plurais, conseqüentemente, para comunicar suas ânsias e se situar no universo diante da sede que têm na vida, seja de que ordem for.


Assim, Jef traz sua visão que tem sobre o afropunk, um movimento de descendentes africanos no Brasil e Estados Unidos que parte do princípio da autonomia, do “faça você mesmo”, em forma cultural alternativa aos modelos vigentes da sociedade. “Esse preto, é o preto diferencial, que está ligado em Spyke Lee, tanto quanto Zumbi. É um preto que lê, gosta de vinho, de vinil, que gosta de música, vai ao teatro. Mesmo com pouco dinheiro, ele sabe muito bem o lugar que ele quer ir. É um preto que sabe a informação de beber, que tem conhecimento e faz a diferença no lugar que ele está”, reflete Jef. Victor Barreto completa, “é mal visto pela própria elite, que não entende aquele tipo de arte, que não entende Spike Lee”.
Eles falam como quem tem propriedade do que estão dizendo, como uma autoridade, e que embora por vezes incompreendidos, transcendem as paredes do quadro e como um som ritmado, discursos saem voando chegando do outro lado, do mundo. Citam nomes como Michael Jackson, James Brown, Bob Marley, Jimi Hendrix, Chuck Berry, Cartola, Van Gogh, Quentin Tarantino, John Fante, entre outras referências mundiais.
“Porque a gente acabou criando um desprendimento de valores e determinismos pra cultura. Isso é quebrar preconceitos, o que fundamenta a arte que a gente faz. Isso não nos tira da realidade de onde a gente vem. O regional, o local, a negritude, a África, a gente vem nessa conexão de o que a gente olha, de onde a gente vem, do que a gente está vendo no mundo, que resulta na nossa arte. Nós somos de Ilhéus, mas somos negros de Ilhéus. Na parabólica, na internet... Não há limite mesmo, acho que o ser humano grande quando ele quer ser grande, ele tem que ler os grandes, pensar grande. Mesmo os grandes que não aparecem. É preciso ir nos grandes que a Globo não mostra. E como negro eu preciso ser referência para os meus”, como um rasgo Jef fecha o seu discurso desprendido.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O ROCK DOS ARTISTAS

O “Sábado SIM”, projeto da Casa dos Artistas, trouxe no sábado passado bandas regionais de rock, Mendigos Blues e Infected Minds, para animar a noite. A cena musical alternativa de Ilhéus e região tem grande chance de expandir suas produções através de projetos como esse e o “Circuito Fora do Eixo”, que pode ser incorporado.
Por Anna de Oliveira
annakdeoliveira@gmail.com
“Leva o Sorriso na frente e esconde a malícia por trás: os porcos com grana, os que fazem cartazes bacanas, sempre querendo mais! Não sabem do bem da agricultura celeste (...)”. Foi com ares de protesto político-social da música “Mutreta” que a primeira noite, dia 7, do Projeto Sábado SIM, da Casa dos Artistas, estreou com a banda Mendigos Blues e em seguida, Infected Minds, em Ilhéus. A iniciativa busca valorizar bandas locais e de Itabuna através de suas músicas autorais, fortalecendo assim, a cena cultural da região.
“O projeto Sábado Sim é um resgate de anos passados e provém do evento independente Chocolate Groove, como forma de estender e divulgar por mais tempo as bandas regionais, até o próximo mês. O pessoal tem gostado”, é o que afirma a assessora administrativa da Casa dos Artistas, Geisa Pena. Ela diz que a linha alternativa está crescendo em Ilhéus, e é importante que o movimento seja conhecido por todos. Para o baixista da banda Mendigo Blues e também conhecido por suas xilogravuras, Ayam U’brais, “quando a monocultura é privilegiada, seja de que setor for, é uma estupidez, diante de uma sociedade como a nossa que tem uma diversidade cultural extraordinária. Há estilos inúmeros e bandas muito boas, tanto em Itabuna quanto em Ilhéus”, defende.
A tendência é que essa cena musical se fortaleça cada vez mais na região, com a interação entre as bandas “fora do eixo” e a participação em eventos que valorizam esse tipo de produção cultural. “Se você se sente fora do eixo, entre na rede”, convida o guitarrista da Mendigos Blues, Ismerarock. O Circuito Fora do Eixo é uma rede de coletivos que atua como multiplicador da cultura e atua também no estímulo à formação de seus agentes culturais. Está presente nos 26 estados brasileiros, em Brasília, em três países da América Central e um país da América do Sul, além do Brasil, sendo 106 localidades ao todo entre pontos de articulação Fora do Eixo, pontos parceiros, pontos de linguagem e pontos regionais.
 
“Não somos um ponto fora do eixo ainda, porque algumas questões burocráticas faltam ser resolvidas. Mas a idéia é que a gente possa realizar noites Fora do Eixo aqui, trazer bandas de fora pra cá e levar daqui pra fora. Entre Ilhéus e Itabuna têm em torno de umas vinte bandas, com músicos que tocam muito e de tudo. Então temos um nome na região, apesar da gente não reconhecer isso ainda como deveria”, explicou um dos organizadores do projeto Sábado Sim, Ismerarock.
A noite
O primeiro final de semana do mês de maio começou quente na Casa dos Artistas, em Ilhéus. Duas bandas, uma de Itabuna, a Mendigos Blues, e outra de Ilhéus, Infected Minds, esquentaram a noite do dia 7 de maio, com a energia do rock in roll. Pouco mais que às vinte horas, o movimento na Rua Jorge Amado começava a perder a timidez de ruas desertas, no tempo em que rostos jovens, sedentos de cultura, buscavam ardentemente pelo encontro da música. E ali estava, prestes a começar.
Com solos da guitarra de Ismerarock e do baixo de Ayam U’Brais, o palco da Casa dos Artistas estava convidativo a abandonar as poltronas e já logo se achegar pra bem perto das caixas de som. Mas a platéia ainda tímida, se movimentava aos poucos apreciando os estendidos solos. Até que uma voz no microfone insistiu: Jonnie Walker compareça ao palco, por favor. Era o guitarrista chamando seu parceiro para começar logo o espetáculo, ele estava se aprumando, certamente, no camarim.
A integração da banda se completou com a bateria de Ricardo Matos, voz e performance da atriz Márvilla Araújo, atuação feminina e inédita na banda, que se fez presente na metade do show. Ao som de “Mutreta” o blues soou em bom som, nos dedilhados e performances expressivas dos músicos. A música tem uma composição interessante, que traz uma crítica do quadro político-social do país. “Estava assistindo a TV Senado no dia em que aumentaram o salário dos deputados. Estava “p” da vida, tinha uma galera lá em casa, a gente começou a conversar sobre política e a beber, e aí saiu a letra”, conta o compositor Jonnie Walker, vocal e guitarrista. “Bicheiro, banqueiro, político, tudo é muito igual! E o pobre doente de cama, enquanto seu filho reclama. E a bandidagem quer mais! Não sabem do bem da agricultura celeste!(...)”, trechos da música. O compositor explica que “a agricultura celeste na verdade é que aquilo o que você planta, você colhe. Se você faz o bem, você colhe o bem”.
Além desta, todas as outras composições da Banda Mendigos Blues puderam ser conhecidas, com destaque também para “Jeep”, “O Rabbo” e “Subterrâneo do Blues”, que eletrizaram a todos com o ânimo que só o blues transmite. “Navi na Noite” de letra melancólica e envolvente contou com a presença de Márvila Araújo, que também cantou e atuou com sua performance super irreverente e ousada na música “Chá de Caçola”, que de fato não poderia passar despercebida.
A banda Infected Minds representou bem o rock, com toda a expressão e força, que tem suas raízes no estilo Grunge do cenário Norte Americano, como Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, entre outros. Em cinco anos de atuação, tendo se iniciado em 97 e retomado as atividades em 2008, a banda Infected Minds é formada por Wilfredo Lessa no vocal, Roberto Pazo na guitarra, Victor Barreto no baixo e Lula na bateria, também conselheiro musical da Casa dos Artistas. O grupo reúne trabalhos 100% autorais, preservando as influências Grunge e de Garage. Liberdade de expressão e manifestação corporal são quesitos básicos em apresentações de rock, em que os músicos e a platéia se interagem numa troca em que o que vale é colocar pra fora o sentimento. Não seria diferente, pois, na Casa dos Artistas, espaço cultural e pluralístico em que muitos “bateram cabeça” até poder saciar sua vontade de rock in roll, ou ficar com gosto de quero mais. Isto porque, a Casa dos Artistas encerrou suas atividades por volta das 22 hs, em respeito das questões burocráticas.

Prosa com os Mendigos
A banda que se iniciou com a junção de duas repúblicas estudantis no bairro de Fátima, em Itabuna, não poderia ter um começo diferente: reuniões com amigos em casa regada a bebidas e muita, mas muita música. Para ouvir o som da banda acesse: http://www.myspace.com/mendigosblues
O nome “Mendigos Blues” se origina pelo próprio contexto doméstico imaginado que uma república estudantil masculina pode acusar. Jonnie Walker, um dos mendigos resistentes da primeira formação, com vinte anos de estudo de música, trocou o piano e violão clássicos pela energia das guitarras.  Ele conta que as reuniões entre amigos ganharam proporções maiores e o sucesso do som da galera começou a se espalhar, sendo chamados para tocar em eventos. “A gente subia no palco, e quem estava embaixo e soubesse tocar qualquer instrumento, subia junto e tocava. O repertório a gente montava na hora, tocava música dos outros, sempre com versões inéditas que saiam no momento”, conta Walker. Até que numa feira de Biologia da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) em 2008, os amigos se reuniram para fazer um som em que Alan Tremedal assumiu o vocal e a gaita, Chico Augusto no baixo, Leandro na bateria e Ismeraldorock na guitarra, diretamente de Ubaitaba. Ele havia chegado para tocar no evento a convite do baterista Leandro, “a gente se conheceu na hora de tocar, e quando a gente tocou, e viu que a vibe estava massa, mantivemos a formação”, contou Jonnie.
Embora recente, a banda já tem muita história pra contar.
Entre formações e desconstruções, Ayam U’Brais acrescenta:
“É uma banda que enfrenta crises sucessivas estruturais físicas. De uma hora pra outra o vocalista saiu da banda, o baixista saiu da banda, o baterista saiu da banda e sobrou dois guitarristas, Jonnie Walk e Ismera Rock. Olharam um para o outro e falaram: A banda vai acabar? Não. E quem vai cantar? Nós dois vamos cantar. A gente sabe cantar: Não. Mas vamos cantar mesmo assim. E aí estabeleceram uma coerência estúpida até: convidaram um baterista que nunca tinha escutado rock in roll na vida, um baterista de axé music e forró, pra tocar nos mendigos – Advan que já saiu da banda. Pra estabelecer a coerência maior, me convidaram para tocar contrabaixo, instrumento este que eu nunca havia tocado antes em minha vida”, comentou o músico U’Brais. Hoje, Ricardo Matos assume a bateria e veio fazer parte do conjunto recentemente por um acaso, e deu certo.
Participações e Festivais
Foi no mesmo ano da formação, em 2008, que participaram do Festival da FICC (Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania) com a música “Jeep”, na segunda colocação. No mesmo evento em 2009, com a música “Navi na Noite”, conseguiram o terceiro lugar, tendo participado também do maior Festival Universitário de Música do país, em São Paulo na etapa de Campinas, o FUM MUSIC. No mesmo ano, a música “Jeep” ganhou o movimento, cores e efeitos das imagens do novo vídeoclip, com direção de Edson Bastos. A letra é de Chico Augusto e Alfredo Vilas Boa.  O clip traz uma abordagem da história de um mendigo que por muitos anos ficou conhecido em Itabuna pelo estilo irreverente de vida, e associado à isso uma mistura entre a busca pela felicidade e a esquizofrenia.  Para assistir o clip, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=v6AVrPV0Nzc
No ano passado, a banda gravou as seis músicas da e fizeram participação no Conexão Vivo.
Quem foi Jeep?
Era com caixas de papelão, lata e retrovisor que o mendigo chamado de “Jeep”, Afrânio Batista de Queiroz, andava pelas ruas e avenidas de Itabuna. Ele era conhecido por suas arriscadas investidas na rua, em que, comportando-se como um verdadeiro veículo, saía perambulando de lado a lado com seus acesos faróis dos olhos de Jeep. Sua história, retratada na poesia do grapiúna Alfredo Vilas Boas, traz a decepção de um homem em que seu sonho era ter um Jeep. Seu pai teria feito uma promessa, afirmando que se Afrânio conseguisse ingressar no ensino superior, ele lhe daria um carro de presente. De fato, Afrânio venceu todas as dificuldades que um rapaz de família humilde poderia ter no século passado e foi aprovado no que seria o vestibular, mas a condição do pai o levou à decepção, por não poder comprar um Jeep para ele. Tudo veio à tona com o falecimento de seus pais, e de casa em casa de parente em parente, Afrânio começou a virar Jeep nas ruas de Itabuna com o desencadeamento da esquizofrenia.
Jeep morreu aos 92 anos em 31 de março do ano passado, no Hospital de Base, em Itabuna.