Por Anna Karenina
Ontem tive a oportunidade de participar da Audiência Pública sobre o Porto Sul, em Itabuna. Antes que entrasse no grande salão da AABB, que estava lotado de pessoas, logo na porta dei de frente com o então prefeito de Ilhéus. Quando adentrei o grande salão, tratei logo de assinar a lista de presença da Audiência, momento em que pude voltar o olhar para a mesa e visualizar as representações dos empreendedores do projeto, assim como representantes do Governo, cena bem parecida com a que tive na Audiência realizada em outubro do ano passado.
Apresentações e algumas falas iniciais deram início à Audiência, destaque para a fala do Presidente da Bahia Mineração – quase uma promessa de que aquele projeto era a salvação de uma região inteira, chegando a afirmar que a implantação de um Porto Off Shore e o desenvolvimento que isso pode gerar aqui, pode ser comparado com o de países europeus, como a França. Nesse momento uma imagem cinematográfica interviu em meus pensamentos, grandes navios aportando, luxo, pessoas felizes, dinheiro no bolso, estivadores trabalhando alegres e satisfeitos, e uma região muito, mas muito próspera, suscitavam daquela elucubração profunda na minha mente. Foi exibido um vídeo demonstrativo de como o complexo se instalaria nas terras que abrangem a região de Aritaguá e Serra Grande no litoral norte de Ilhéus, e sua logística, incluindo a estrada de ferro.
De técnica expressiva, boa aparência, e salvo a artificialidade parecida quase como de robôs, os apresentadores do vídeo sobre o Porto Sul, exibiam um desempenho comovente, persuasivos, bastante eficientes para o que foram contratados.
Diante do que foi exibido, nota-se que quando em funcionamento do complexo intermodal, a região se transformará em uma grande porta de entrada e saída de produtos através das grandes embarcações, não só terrestres como também marítimas. A região será toda transformada para atender uma demanda de escoamento não só do minério de ferro, como do urânio de Caetité, produtos de diversas ordens e qualquer coisa que se queira exportar. Ficaram evidentes os inúmeros impactos levantados pelos estudos e, principalmente, com o auxílio das questões que foram levantadas e protocolados junto ao IBAMA, na Audiência de 2011. É também para isso que serve uma Audiência Pública, para que a comunidade alerte aos órgãos responsáveis do que eles devem aprofundar e prestar atenção. Nesse aspecto, eu diria que acadêmicos da Universidade Estadual de Santa Cruz foram fundamentais nesse trâmite, uma grande contribuição para a comunidade através do conhecimento científico.
Nos impactos identificados e citados no vídeo explicativo-demonstrativo, só não foi destacada a magnitude desses efeitos. Seriam eles irreversíveis? A empresa responsável pela avaliação dos impactos, Consultoria Hidrus e Orienta, juntamente com a Bahia Mineração, citaram uma série de medidas paliativas para amenizar, controlar e compensar os danos sociais e ambientais.
Terminada a exibição audiovisual, veio a primeira rodada de perguntas escritas, estas muito importantes e coesas, para esclarecer algumas nuvens que permeiam as dúvidas da comunidade. Uma em especial me chamou bastante a atenção, era mais ou menos assim: “Já que a Bahia Mineração será sócia junto com o Governo nessa implementação, ela estaria solicita a disponibilizar 60% dos lucros gerados pelo empreendimento para contribuir com o desenvolvimento da região?”. Não houve resposta.
Depois da rodada de perguntas escritas, veio a rodada das perguntas orais. Eu fiquei muito surpreendida com a impetuosidade com que a primeira representação veio a manifestar. Parecia até um discurso afiado a foice, imperante, como um dedo gigante empurrando com o seu discurso goela a baixo uma gente oprimida. Gente essa, que ali na grande maioria, contraditoriamente ou não, aplaudia emocionada, gritos de clamores desesperados eram lançados, desmedidos. Fiquei extasiada.
Mas uma das falas com que me senti contemplada, foi quando um professor da Uesc, muito cautelosamente pontuou que todos os processos, avaliações, impactos, possibilidades, têm de ser criteriosamente observados e considerados, para que tudo aconteça da melhor forma possível. Outra fala importante, de real preocupação, foi a de um estudante de comunicação da Uesc, quando abordou a informação de que um pescador que ele entrevistou na feira, obtém mais de mil reais por mês com sua atividade. Sobre isso, sua pergunta foi pautada de como o empreendedor vai suprir essa renda dos pescadores quando eles forem prejudicados com os impactos do empreendimento?
Todas as respostas da Bahia Mineração eram meticulosamente programadas, como eram programados os autores do vídeo. Para tudo, eles têm programas, medidas, “vamos criar isso”, estudos, políticas voltadas para tal coisa, saídas para tudo. Não me surpreendi de que tudo isso realmente pudesse mesmo estar também programado.
Chegou a minha vez de falar, “Boa noite, meus cumprimento à mesa, a comunidade presente, representações dos movimentos sociais, sindicados e governantes. Vou fazer minhas perguntas com base no que foi exibido no vídeo, inclusive muito boa as performances dos atores. Minha primeira pergunta é pautada no seguinte, sendo iniciadas as obras, quem será o órgão responsável pela fiscalização de todo o processo e transparência ao público de tudo o que está acontecendo? As minhas outras perguntas são muito pautadas na questão da garantia. Quando as empresas começarem a se instalar na região, qual é a garantia de que a contratação da mão de obra qualificada será das pessoas daqui da região? Já que a Bamin se associa ao Estado para querer implantar esse projeto em sociedade, é interessante que responda sobre a saúde e não se exima disso; não só da criação de mais hospitais e centros, quero saber quem vai responder sobre a qualidade de atendimento do Sistema Único de Saúde; da educação, da qualidade da educação, segurança, infraestrutura urbana, habitação, políticas para as mulheres, inchaço urbano, e tantas coisas que já estão massificadas, mas que a região continua desassistida? Quero saber quais são os projetos existentes para implementar tantas coisas. Porque citar medidas e dizer que muitas coisas precisam ser feitas, isso todo mundo já sabe, que essa terra precisa de muitas coisas. Quero saber sobre os projetos existentes para serem executados, voltados pra tudo isso. Quanto às comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas, pescadores, marisqueiros, que ações estão sendo feitas para dar assistência à essas comunidades? Que tipo de contrapartida vocês darão para implantar um planejamento agrícola para os trabalhadores e produtores rurais para potencializar essa economia?”.
A mediadora da Audiência, representante do IBAMA, disse que acontecendo o licenciamento, o próprio IBAMA é quem vai fiscalizar todo o processo das obras, onde tudo poderá ser acompanhado, de conhecimento de todos. Em seguida, uma mulher dos cabelos ruivos, curtos e cacheados, de óculos, me disse que sobre a mão de obra, as empresas serão orientadas à se comprometerem na contratação da mão de obra local; sobre as comunidades indígenas e quilombolas, ela disse que o FUNAI e a Fundação Palmares já foram contactados para dar assistência, e eles disseram que vão responder por essas comunidades. Sobre a agricultura, ela disse que já existe um programa voltado para a agricultura familiar. Só que ela foi bem detalhista em suas respostas, chegando o tempo da fala exaurir-se, para me dizer somente acerca dessas questões.
Na réplica, eu complementei: “Qual é a garantia que todas essas medidas que vocês citaram vão acontecer? Todos queremos saber qual é projeto concreto para implantar e tornar reais todas essas ações? Como confiar num governo que aprova no Congresso o piso salarial nacional dos professores e aqui na Bahia não cumpre? Quem garante que tudo isso que está sendo dito será cumprido? O que muito me admira é que pessoas ligadas aos movimentos sociais e sindicatos aplaudam e clamem por uma representação que contribuiu para enterrar de vez essa região, como aconteceu com a Vassoura de Bruxa, um crime hediondo registrado no documentário “O Nó”, de Dilson Araújo. Isso é bom que todos saibam também. Ao meu ver o Porto Sul vai terminar de dizimar de uma vez por todas essa região. Eu quero que vocês me respondam o que farão de contrapartida, depois que os recursos naturais se exaurirem, com o elefante branco do Porto Sul que vai ficar aqui!”
Foi um desabafo. As minhas ultimas perguntas não foram respondidas e sem ressentimento algum prosseguiram com a próxima rodada de perguntas. Atitude desrespeitadora, típica de quem ignora e realmente não está preocupado com as pessoas, famílias e comunidades que vivem nesta região. E não responderam, porque simplesmente eles só sabem citar as medidas paliativas, mas não têm nenhum projeto estruturado de assistência social, socioeconômica, socioambiental que já deveriam estar sendo executados aqui. Assim como não tiveram coesão, profundidade e detalhamento para apresentar desde o primeiro momento um EIA/RIMA decente, completo. Com graves brechas e falhas, o projeto, com problemas estruturais, se arrasta para o licenciamento.
O que precisa ser compreendido é a dimensão holística que esse empreendimento vai acarretar. E por ser de uma magnitude tão ousada, precisa, na mesma proporção, oferecer todos os subsídios criteriosamente elaborados para contemplar verdadeiramente estas terras, a não ser que a população queira mesmo que as coisas aqui continuem sendo feitas à modo “facão”. Estamos cansados do facão, da bainha e de apanhar. Queremos mestres de engenharia em humanidade, escultores humanizados, que olhem para o ser humano, que preservem a vida, que queiram sim extrair seu dinheiro, mas que mostre projetos concretos e estruturados de formas que permitam verdadeiramente que nós também possamos ganhar dinheiro e viver dignamente. Principalmente viver dignamente em social, ambiental, democracia, justiça e respeito.
Ninguém aqui nesta região está sendo formado para se especializar em carregar peso, não. Esse é o único tipo de empregabilidade direta que o Porto vai oferecer. As pessoas têm que parar com essa ilusão de que vão ganhar dinheiro aqui. Porque quem vai ganhar dinheiro mesmo, é um grupo bem pequenininho de pessoas. As pessoas precisam se dar conta também que essa região será desova e despojo de produtos que vão contemplar outros lugares, e não esta terra daqui. Porque, amigos, esta terra será mais sugada ainda, não vão sobrar abonos pra cá. O turismo? Vai morrer! Já existia muito precariamente, com o empreendimento, então, quem assegurará que vai fazer das tripas coração para garantir a execução de uma política pública voltada para o Turismo? Olha quantos anos se passaram e os políticos locais não deram um prego no mamão para beneficiar essa terra? Apenas as iniciativas privadas, do terceiro setor, que têm que se desdobrar para poder muito precariamente sobreviver dessa atividade. Ainda assim, ficam envergonhados quando os turistas aqui chegam e não encontram uma prestação de serviços eficiente, que está às mínguas e deixa muito a desejar.
O fato é que se licenciado o Porto Sul, a região vai se transformar de um modo que não podemos imaginar, e nem os efeitos que isso tudo vai gerar. E afinal, o que é desenvolvimento? Que tipo de desenvolvimento o Sul da Bahia quer pra si? Acreditar que um Porto Sul será a solução dos seus problemas? Quem é que garante que tudo o que está sendo prometido, será verdadeiramente cumprido? Citar ações? Isso é o que os políticos mais sabem fazer… No entanto, o que estamos enfrentando hoje? O ápice da lama no Congresso Nacional,
Estados, municípios… É o jeitinho brasileiro prevalecendo. Coitados dos filhos desta nação! É a ditadura branca, meus caros, que vivemos.
As mesmas promessas foram feitas que as lavouras iam se recuperar! Quando na verdade, depois de implantada criminosamente a praga da Vassoura de Bruxa, ainda deram o galinheiro das fazendas de cacau para a Raposa vigiar, orientar, instruir, o banco emprestar e depois sair de asinhas abanando prejudicando diretamente um alcance de 3 milhões de pessoas, famílias destruídas, pobreza, abandono, sem leito e sem ter pra onde ir.
Agora, 20 anos de abandono total, que só conta com uma maioria de políticos inescrupulosos, chegam, com um projeto bonitinho, todo engomado para implantar aqui e “ser o vetor do desenvolvimento”. Essa conversa pra boi dormir, caros, estamos cansados, calejados, letrados, PHD’s em escutar lorotas. Se vocês querem mesmo fazer um trabalho sério, implantar o Porto Sul, deixar as pessoas daqui felizes mesmo, como aparecem nas suas propagandas e do Governo, então, por favor, comecem a colocar a mão na massa desde já! Sejam mediadores do povo junto ao Estado para, por exemplo, corrigir e negociar logo o salário dos professores. Vistam esta causa! Porque dizer com pose de bacana que isso aqui será um Porto Off Shore como nos países europeus, por favor, faz-me rir! Capitalismo selvagem!!!
Vamos comprar uma lente de aumento para olhar pro lado e perceber que as crianças e jovens da Bahia estão na rua e o grande índice de evasão das escolas já é muito grande. Agora, me diz se isso acontece na França? Compara, por favor! Quem vai reverter esse dano? Comecem desde já, sendo mediadores do povo junto ao Estado para que ele cumpra com suas obrigações de prestar serviços de qualidade em educação, transporte, saúde, cultura, habitação… São nada mais que 40% que o trabalhador paga ao Governo para ele prestar esses serviços “maravilhosos” que recebemos.
O engraçado de tudo isso, é que chegam aqui, e ainda acreditam que estão fazendo favor para esta região. O povo tem que parar é de aceitar esmola! Parar de se rebaixar, tem que levantar essa estima e perceber que os governantes tem por dever e obrigação prestar cidadania para a população. E na verdade, aqui é o contrário, o povo trabalha para manter o status quo de uma quantidade restrita de pessoas enquanto perde toda a sua saúde trabalhando. E quando a saúde acaba e precisa de atendimento, recebe é desprezo, indiferença e crueldade com a miséria que acontece nos Hospitais. As pessoas morrem, e isso já virou normal. Até quando?
Muitas áreas, base do funcionamento social, em estado crítico, já tiveram as greves dos bombeiros, policiais, agora dos professores, transportes, universidades… Até quando?
O Governo trata o trabalhador brasileiro como marginal! Quer extinguir o direito à democracia: usufruir de um instrumento fundamental para o amadurecimento de uma sociedade, que é a greve. E a grande mídia ainda contribui… Lógico, é toda comprada pela barganha.
A população às minguas, ruas esburacadas, estradas rurais sem iluminação, merenda escolar ruim, desvio de verbas públicas, escolas sem estrutura, professores insatisfeitos, criminalidade, violência, morte…
Não temos culpa se o Porto Sul quer chegar aqui nesse momento. Não podemos fazer nada se o Governo perdeu a credibilidade e quer subestimar a capacidade das pessoas de simplesmente pensar. Cumpram com o que é de direito de vocês cumprir, porque nós pagamos os nossos impostos e queremos usufruir do direito à cidadania democrática e não elitista. Porque o povo não tem dinheiro para banquete e nem serviço de bordo.