terça-feira, 10 de maio de 2011

O ROCK DOS ARTISTAS

O “Sábado SIM”, projeto da Casa dos Artistas, trouxe no sábado passado bandas regionais de rock, Mendigos Blues e Infected Minds, para animar a noite. A cena musical alternativa de Ilhéus e região tem grande chance de expandir suas produções através de projetos como esse e o “Circuito Fora do Eixo”, que pode ser incorporado.
Por Anna de Oliveira
annakdeoliveira@gmail.com
“Leva o Sorriso na frente e esconde a malícia por trás: os porcos com grana, os que fazem cartazes bacanas, sempre querendo mais! Não sabem do bem da agricultura celeste (...)”. Foi com ares de protesto político-social da música “Mutreta” que a primeira noite, dia 7, do Projeto Sábado SIM, da Casa dos Artistas, estreou com a banda Mendigos Blues e em seguida, Infected Minds, em Ilhéus. A iniciativa busca valorizar bandas locais e de Itabuna através de suas músicas autorais, fortalecendo assim, a cena cultural da região.
“O projeto Sábado Sim é um resgate de anos passados e provém do evento independente Chocolate Groove, como forma de estender e divulgar por mais tempo as bandas regionais, até o próximo mês. O pessoal tem gostado”, é o que afirma a assessora administrativa da Casa dos Artistas, Geisa Pena. Ela diz que a linha alternativa está crescendo em Ilhéus, e é importante que o movimento seja conhecido por todos. Para o baixista da banda Mendigo Blues e também conhecido por suas xilogravuras, Ayam U’brais, “quando a monocultura é privilegiada, seja de que setor for, é uma estupidez, diante de uma sociedade como a nossa que tem uma diversidade cultural extraordinária. Há estilos inúmeros e bandas muito boas, tanto em Itabuna quanto em Ilhéus”, defende.
A tendência é que essa cena musical se fortaleça cada vez mais na região, com a interação entre as bandas “fora do eixo” e a participação em eventos que valorizam esse tipo de produção cultural. “Se você se sente fora do eixo, entre na rede”, convida o guitarrista da Mendigos Blues, Ismerarock. O Circuito Fora do Eixo é uma rede de coletivos que atua como multiplicador da cultura e atua também no estímulo à formação de seus agentes culturais. Está presente nos 26 estados brasileiros, em Brasília, em três países da América Central e um país da América do Sul, além do Brasil, sendo 106 localidades ao todo entre pontos de articulação Fora do Eixo, pontos parceiros, pontos de linguagem e pontos regionais.
 
“Não somos um ponto fora do eixo ainda, porque algumas questões burocráticas faltam ser resolvidas. Mas a idéia é que a gente possa realizar noites Fora do Eixo aqui, trazer bandas de fora pra cá e levar daqui pra fora. Entre Ilhéus e Itabuna têm em torno de umas vinte bandas, com músicos que tocam muito e de tudo. Então temos um nome na região, apesar da gente não reconhecer isso ainda como deveria”, explicou um dos organizadores do projeto Sábado Sim, Ismerarock.
A noite
O primeiro final de semana do mês de maio começou quente na Casa dos Artistas, em Ilhéus. Duas bandas, uma de Itabuna, a Mendigos Blues, e outra de Ilhéus, Infected Minds, esquentaram a noite do dia 7 de maio, com a energia do rock in roll. Pouco mais que às vinte horas, o movimento na Rua Jorge Amado começava a perder a timidez de ruas desertas, no tempo em que rostos jovens, sedentos de cultura, buscavam ardentemente pelo encontro da música. E ali estava, prestes a começar.
Com solos da guitarra de Ismerarock e do baixo de Ayam U’Brais, o palco da Casa dos Artistas estava convidativo a abandonar as poltronas e já logo se achegar pra bem perto das caixas de som. Mas a platéia ainda tímida, se movimentava aos poucos apreciando os estendidos solos. Até que uma voz no microfone insistiu: Jonnie Walker compareça ao palco, por favor. Era o guitarrista chamando seu parceiro para começar logo o espetáculo, ele estava se aprumando, certamente, no camarim.
A integração da banda se completou com a bateria de Ricardo Matos, voz e performance da atriz Márvilla Araújo, atuação feminina e inédita na banda, que se fez presente na metade do show. Ao som de “Mutreta” o blues soou em bom som, nos dedilhados e performances expressivas dos músicos. A música tem uma composição interessante, que traz uma crítica do quadro político-social do país. “Estava assistindo a TV Senado no dia em que aumentaram o salário dos deputados. Estava “p” da vida, tinha uma galera lá em casa, a gente começou a conversar sobre política e a beber, e aí saiu a letra”, conta o compositor Jonnie Walker, vocal e guitarrista. “Bicheiro, banqueiro, político, tudo é muito igual! E o pobre doente de cama, enquanto seu filho reclama. E a bandidagem quer mais! Não sabem do bem da agricultura celeste!(...)”, trechos da música. O compositor explica que “a agricultura celeste na verdade é que aquilo o que você planta, você colhe. Se você faz o bem, você colhe o bem”.
Além desta, todas as outras composições da Banda Mendigos Blues puderam ser conhecidas, com destaque também para “Jeep”, “O Rabbo” e “Subterrâneo do Blues”, que eletrizaram a todos com o ânimo que só o blues transmite. “Navi na Noite” de letra melancólica e envolvente contou com a presença de Márvila Araújo, que também cantou e atuou com sua performance super irreverente e ousada na música “Chá de Caçola”, que de fato não poderia passar despercebida.
A banda Infected Minds representou bem o rock, com toda a expressão e força, que tem suas raízes no estilo Grunge do cenário Norte Americano, como Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, entre outros. Em cinco anos de atuação, tendo se iniciado em 97 e retomado as atividades em 2008, a banda Infected Minds é formada por Wilfredo Lessa no vocal, Roberto Pazo na guitarra, Victor Barreto no baixo e Lula na bateria, também conselheiro musical da Casa dos Artistas. O grupo reúne trabalhos 100% autorais, preservando as influências Grunge e de Garage. Liberdade de expressão e manifestação corporal são quesitos básicos em apresentações de rock, em que os músicos e a platéia se interagem numa troca em que o que vale é colocar pra fora o sentimento. Não seria diferente, pois, na Casa dos Artistas, espaço cultural e pluralístico em que muitos “bateram cabeça” até poder saciar sua vontade de rock in roll, ou ficar com gosto de quero mais. Isto porque, a Casa dos Artistas encerrou suas atividades por volta das 22 hs, em respeito das questões burocráticas.

Prosa com os Mendigos
A banda que se iniciou com a junção de duas repúblicas estudantis no bairro de Fátima, em Itabuna, não poderia ter um começo diferente: reuniões com amigos em casa regada a bebidas e muita, mas muita música. Para ouvir o som da banda acesse: http://www.myspace.com/mendigosblues
O nome “Mendigos Blues” se origina pelo próprio contexto doméstico imaginado que uma república estudantil masculina pode acusar. Jonnie Walker, um dos mendigos resistentes da primeira formação, com vinte anos de estudo de música, trocou o piano e violão clássicos pela energia das guitarras.  Ele conta que as reuniões entre amigos ganharam proporções maiores e o sucesso do som da galera começou a se espalhar, sendo chamados para tocar em eventos. “A gente subia no palco, e quem estava embaixo e soubesse tocar qualquer instrumento, subia junto e tocava. O repertório a gente montava na hora, tocava música dos outros, sempre com versões inéditas que saiam no momento”, conta Walker. Até que numa feira de Biologia da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) em 2008, os amigos se reuniram para fazer um som em que Alan Tremedal assumiu o vocal e a gaita, Chico Augusto no baixo, Leandro na bateria e Ismeraldorock na guitarra, diretamente de Ubaitaba. Ele havia chegado para tocar no evento a convite do baterista Leandro, “a gente se conheceu na hora de tocar, e quando a gente tocou, e viu que a vibe estava massa, mantivemos a formação”, contou Jonnie.
Embora recente, a banda já tem muita história pra contar.
Entre formações e desconstruções, Ayam U’Brais acrescenta:
“É uma banda que enfrenta crises sucessivas estruturais físicas. De uma hora pra outra o vocalista saiu da banda, o baixista saiu da banda, o baterista saiu da banda e sobrou dois guitarristas, Jonnie Walk e Ismera Rock. Olharam um para o outro e falaram: A banda vai acabar? Não. E quem vai cantar? Nós dois vamos cantar. A gente sabe cantar: Não. Mas vamos cantar mesmo assim. E aí estabeleceram uma coerência estúpida até: convidaram um baterista que nunca tinha escutado rock in roll na vida, um baterista de axé music e forró, pra tocar nos mendigos – Advan que já saiu da banda. Pra estabelecer a coerência maior, me convidaram para tocar contrabaixo, instrumento este que eu nunca havia tocado antes em minha vida”, comentou o músico U’Brais. Hoje, Ricardo Matos assume a bateria e veio fazer parte do conjunto recentemente por um acaso, e deu certo.
Participações e Festivais
Foi no mesmo ano da formação, em 2008, que participaram do Festival da FICC (Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania) com a música “Jeep”, na segunda colocação. No mesmo evento em 2009, com a música “Navi na Noite”, conseguiram o terceiro lugar, tendo participado também do maior Festival Universitário de Música do país, em São Paulo na etapa de Campinas, o FUM MUSIC. No mesmo ano, a música “Jeep” ganhou o movimento, cores e efeitos das imagens do novo vídeoclip, com direção de Edson Bastos. A letra é de Chico Augusto e Alfredo Vilas Boa.  O clip traz uma abordagem da história de um mendigo que por muitos anos ficou conhecido em Itabuna pelo estilo irreverente de vida, e associado à isso uma mistura entre a busca pela felicidade e a esquizofrenia.  Para assistir o clip, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=v6AVrPV0Nzc
No ano passado, a banda gravou as seis músicas da e fizeram participação no Conexão Vivo.
Quem foi Jeep?
Era com caixas de papelão, lata e retrovisor que o mendigo chamado de “Jeep”, Afrânio Batista de Queiroz, andava pelas ruas e avenidas de Itabuna. Ele era conhecido por suas arriscadas investidas na rua, em que, comportando-se como um verdadeiro veículo, saía perambulando de lado a lado com seus acesos faróis dos olhos de Jeep. Sua história, retratada na poesia do grapiúna Alfredo Vilas Boas, traz a decepção de um homem em que seu sonho era ter um Jeep. Seu pai teria feito uma promessa, afirmando que se Afrânio conseguisse ingressar no ensino superior, ele lhe daria um carro de presente. De fato, Afrânio venceu todas as dificuldades que um rapaz de família humilde poderia ter no século passado e foi aprovado no que seria o vestibular, mas a condição do pai o levou à decepção, por não poder comprar um Jeep para ele. Tudo veio à tona com o falecimento de seus pais, e de casa em casa de parente em parente, Afrânio começou a virar Jeep nas ruas de Itabuna com o desencadeamento da esquizofrenia.
Jeep morreu aos 92 anos em 31 de março do ano passado, no Hospital de Base, em Itabuna.