Em sua quarta edição do projeto de música instrumental, OQUADRO convidou os ventos da voz de Brisa Azis, da banda Manzuá, para mesclar ritmo e balanço a arranjos mui agradabilíssimos na noite do Bataclan, em Ilhéus, 6/08. Em meio a toda essa sonoridade, sentidos evidentes de uma efervescência cultural e muita vontade artística se revelaram no tempo em que nosso bate papo foi se desenhando. Acompanhe comigo nesta narrativa, a partir dos seus sentidos lúdicos, leitor, o desenrolar dessas histórias que somam música, poesia, arte e espontaneidade.
Por Anna Karenina

Quando me acheguei o show já havia começado. A casa estava cheia, com uma atmosfera de música artesanal e sofisticação. O Bataclan, desta vez, me soou mais familiar, como quem chega em um ambiente e se sente logo a vontade. Talvez a companhia de primos e amigos exerceu influência nisso, ou da recepção de Néia Dendê, assim como de outras moças que assessoravam atenciosamente o atendimento do restaurante. Mas algo inquietante me tomava por dentro, uma ansiedade de sentar logo e começar a respirar os dedilhados, o timbre, os tambôs, os pratos da bateria. Eles estavam muito bem, dessa vez eu observava a comunicação muda, os olhares, de como as notas iam mudando, variando com o clima do ambiente, e o som brotando, saindo. “É tudo improvisado, não tem nada ensaiado. O que a galera ouve é música que nasceu agora e morreu, que ninguém vai lembrar depois, e tem uma vida útil aí a rolar”, explica Ricô Barreto, integrante do Coletivo Prumo e baixista da banda, sobre a espontaneidade com que surge o som deles.

De repente, a força de uma brisa intercepta o enredo sonoro, com seu tom imponente, sua voz de dentro da alma pra fora, e a docilidade ao mesmo tempo, e o talento, evidente. Brisa Azis, da banda Manzuá, de Itabuna, veio para nossos ares marítimos com muita serenidade, como quem o vento manda cantar. E nesse balanço, do ar, do mar, canções como “One Drop” e “Rebel Music” de Bob Marley, “Baú” e “Vermelho” de Vanessa da Mata, entre outras, intercalaram com as investidas instrumentais dos meninos d’OQUADRO.
De abrupto, já conectada com o balanço do barco, fui impelida por minha prima Lorena, como quem me chama de volta pra o contexto da mesa:
- Prima, muito boa a sua indicação para a noite de hoje viu?!
Consentindo, balancei a cabeça sorrindo. Eu sabia que não precisávamos ir muito longe para desfrutar de boa música e momentos culturais, ter que ir para acontecimentos em Salvador, para os festivais de Vitória da Conquista ou viajar para o Rock in Rio. Tudo bem que esses contextos oferecem ocasiões ampliadas e em perspectivas diversas, mas nossa terra tem seus frutos, que nem feijão brota do pé! Quando vai ver, quão grande é o feijoeiro! E feijão de boa qualidade, para vários pratos diferentes. Há quem aprecie uma boa feijoada! É o sabor, o tempero, a baianidade, a poesia, é a arte. Precisamos de mais gastrônomos para servir mais os nossos bons pratos. E como esse paladar cultural está sendo estimulante e crescente, e nunca nego repetir a refeição, pedimos sempre bis.
O projeto – OQUADRO Instrumental + Coletivo PRUMO
É nessa direção que caminha o projeto OQUADRO Instrumental, que foi acolhido junto a parcerias entre a banda, Coletivo Prumo e o sócio-proprietário do Bataclan, Paulinho Martins. “Ele apostou e tem uma parceria longa mesmo. Todo mês vai rolar OQUADRO instrumental convidando alguém... A própria banda está se entrosando legal”, afirma Ricô Barreto. Nestes quatro meses de atuação, o projeto se iniciou com apresentações instrumentais e em seguida OQUADRO convidou artistas como Fabrício Vasconcelos, da banda Quizila, e nesta noite prossegue enriquecendo cada vez mais esse processo cultural que está se expandindo.

A atuação da cantora Brisa Azis veio numa troca muito boa com OQUADRO instrumental, em que o encontro nesta noite, pode assim ser traduzido: “Gostosa, divertida. Eu acho legal a necessidade que as pessoas estão tendo de se profissionalizar. Não é se enquadrar. Assim, você não vai deixar de fazer o som que você gosta porque ‘eu prefiro fazer uma música que venda’. É mais do que isso né, você faz porque gosta e ponto”, afirma a cantora. Para ela, a mudança de mentalidade das pessoas sobre o olhar sobre a cultura, e como se trabalha com isso, vai ser decisiva no processo. Ricô Barreto concorda, “está melhorando, a galera está se ligando nessa história de políticas públicas, através de editais, capitação de recursos para realizar projetos de maneira digna, de maneira real”.
A banda OQUADRO vem nessa linha há três anos através do Coletivo Prumo, uma produtora cultural de Ilhéus que tem parceria com o terreiro Matamba Tombenci Neto, artistas, ONG Libélula de Itacaré, Casa dos Artistas, entre outros, buscando captação de recursos para a realização de projetos culturais como esse.A noite se desenrolara bem, e entre o sabor de Heineken’s, amigos e casualidades. A prosa super enriquecedora com a vocal Brisa Azis e o baterista e compositor Mither Amorim, da banda Manzuá, ambos poetas, mostra como a poesia flui em todos os lugares e como ela é fundamental no processo criativo, nesse caso, musicalmente falando.
“No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio”.
De Manoel de Barros no livro “Compêndio para uso dos pássaros”.
Manzuá – desvelando sentidos
Assim como Manoel de Barros entende que “o verbo tem que pegar delírio”, Mither Amorim absorve esta citação para dizer que “a música tem que pegar o delírio. A poesia transita”, explica, tentando encontrar uma forma de traduzir o som que a banda Manzuá faz. Para ele, “a música tem que pegar o delírio, seja ela de que ritmo for, de que gênero for. É o fio da meada. A música tem que ser poesia”. Há três anos a banda vem atuando crescentemente, e sendo conhecida cada vez mais por um público maior e seleto, aquele que sabe do valor e da satisfação de ouvir e vivenciar bons sons.

No último mês, o grupo foi premiado com a música “Insurreição”, até então inédita, no VI Festival Multiarte Firmino Rocha, em Itabuna, na categoria melhor banda. Longe de reducionismos, para bem longe dos enquadramentos dos rótulos e determinações, de caracterização do som que exercem, a banda grapiúna vem produzindo uma música independente entre amigos, família e amor ao que faz, tendo se originado nessa forma. Flutuam em sentidos que mesclam entre o ijexá, o maracatu, blues, reggae, queto, funk, samba-rock, rock, música eletrônica, e arranjos híbridos que somam diversas influências, ao mesmo tempo em que produzem unitariamente numa linha própria desde 2008.
Veja o vídeo:
“É isso, a gente vai sintetizar na arte da gente aqui, o que a gente gosta, o que a gente vive, respira, que nos alimenta. A gente se alimenta de música, a gente gosta de som, a gente não é purista, não”, explica Brisa Azis, mostrando também como a influência e a afinidade musical dos demais integrantes da banda - que soma-se também à guitarra de João Solari, o baixo de Marcelo Weber e à voz de Laísa Eça – vão ser decisivas no processo de composição, que geralmente parte da poesia de Mither Amorim, dos arranjos e linhas de baixo que se seguem. A inserção da música eletrônica chega na Manuzá com as experimentações do Dj Danley Dantas, com as nuances das suas inovações variáveis sutis. 
“Mas é aquela coisa, querendo ou não, a gente é música, a gente gosta de música. Então a gente vai pelo o que a música pede. Por exemplo, como é que se dá a escolha dos poemas? Altamente instintivo. A gente está fazendo um som aqui, está ensaiando, e dá aquela vontade de falar... Por que eu particularmente gosto de poesia, Mither também escreve umas coisas bem bacanas, e a gente está aqui na internet lendo poesia, ‘ô que poema lindo, que delícia, que beleza, guarda ali’, daqui a pouco aí tô ali no meio do som, a vontade de dizer, aquilo vai lhe tomando né?, toma a gente mesmo, e a vontade de verbalizar aquilo sai”, reflete a cantora.


Exercer a arte tem sido como voltar à infância, como se a vida adulta pudesse ser vivenciada por momentos em que você volta a uma vida infantil, no sentido de prazeroso da palavra. “Me divirto falar: ‘Vai ter ensaio? Obaaa!’, parece criança, parece assim, ‘a fora é minha, no baba’, ‘vai rolar o baba’, é o meu baba. Música, fazer som, é o meu baba. E eu gosto, eu gosto de verdade. Vou estar coroa fazendo o som”, entre risadas desponta Azis. Amorim completa, “é ‘distraído venceremos’”.
O entusiasmo artístico não esmorece mesmo frente aos reduzidos espaços de apresentação, que insistentemente ainda permanecem escassos para a rotatividade musical que muitas bandas regionais poderiam estar explorando. “A verdade é que a gente está sem casa em Itabuna, a gente não tem lugar para tocar na nossa cidade”, sente a cantora.
Para Mither Amorim, talvez o que falta é comprometimento das pessoas que têm condições, a algum tempo, de abrir espaços para os artistas e produtores culturais daqui. “Quer dizer, não é por que não sabe, a gente está dialogando sempre, a gente está sempre nas ruas... É uma região em que as pessoas se vêem, não é uma megalópole e nem é isolado. Então a gente está sabendo que está rolando, mas está faltando o comprometimento de chegar junto. Eu sinto muito a falta dessas pessoas chegarem, ‘vamos fazer, pra gente crescer a região mais e mais’”.
Memórias do Rio Cachoeira – salve!
A banda Manzuá atualmente apóia o projeto “Memórias do Rio Cachoeira”, que traz poesia, cinema e música através de abordagens deste rio que corta a região e já foi e até hoje continua sendo fonte de inspiração de muitos poetas. “A idéia é transformar doze poemas em canções que irão compor dois produtos finais, um cd com todas as músicas na íntegra, e um DVD com documentário, utilizando essas músicas como trilha sonora”, explica a vocal no vídeo de divulgação do projeto, Laísa Eça.O projeto desenvolvido por Edson Bastos foi premiado pelo Edital de Produção em Conteúdo Musical, promovido pela Fundação Cultural (FUNCEB) e Secretaria de Cultura (SECULT) do Estado da Bahia. O documentário será lançado no dia 24 de novembro. Para colaborar com o projeto que integra um show de lançamento, acesse www.catarse.me Conheça mais sobre essa iniciativa: http://www.memoriasdocachoeira.com/ Assista o vídeo de divulgação:
Embora diante de desafios, em que é só uma questão de tempo para serem vencidos, Brisa Azis encerra otimista a sua fala: “Graças a Deus as coisas estão caminhando de uma maneira legal pra quem gosta e quem quer fazer cultura no sul da Bahia”. Então agora eu comecei a compreender porque a familiaridade já se fazia presente desde o início, num contexto agradável, é nesse sentido de querer fazer, querer ser, não estamos sozinhos... É mesmo como disse um amigo que filmou a entrevista, irmão, Thassio Vinícius, “Carranco” para os chegados: “O que precisamos é fazer as coisas acontecerem”. Faço de suas palavras, as minhas, menino! Agora é só dar o play e ir! Já foi!












Créditos
Filmagem - Thassio Vinicios
Fotos das Entrevistas - Lorena Vieira
Fotos do Palco - Anna Karenina
Redação - Anna Karenina
Apoio
Coletivo PRUMO
Bataclan
Gabriel Vieira
Alcance Comunicação